quarta-feira, 30 de julho de 2008

Grandes Projetos: De volta ao Pará

Lúcio Flávio Pinto *

A Vale anuncia uma grande aciaria e o governo federal diz que desta vez sairá a hidrelétrica de Belo Monte. São bilhões e mais bilhões em investimentos. Desta vez o Pará irá mesmo se desenvolver ou é mais uma ilusão?

Há uma nova onda de grandes investimentos desabando simultaneamente no Pará. Um deles foi anunciado com todas as letras na quinzena passada: a Companhia Vale do Rio Doce garante que, desta vez, dará um passo a mais na transformação do minério de ferro, que extrai há um quarto de século das minas de Carajás, em escala crescente (o que fez o horizonte da exploração cair de 400 para menos de 150 anos). A empresa disse que investirá seis bilhões de dólares numa fábrica que produzirá 2,6 milhões de toneladas de placas de aço em Marabá, no Pará.

É negócio de causar impacto em qualquer parte do mundo, mas sobretudo no Pará, que há seis anos vem disputando essa obra com o Maranhão. A Vale ainda juntará no pacote algumas outras iniciativas para ajudar o Estado a sair do mero extrativismo mineral, para cuja manutenção a ex-estatal tem dado sua decisiva colaboração. Mas o governo terá que fazer a sua parte, que não será pequena. Uma das contrapartidas poderá ser o licenciamento ambiental da usina de energia que a Vale planeja construir em Barcarena, com capacidade para 600 mil kW (o equivalente a quase duas das 21 turbinas que funcionam na hidrelétrica de Tucuruí), uma das maiores do programa de termelétricas no país.

A usina será à base de carvão mineral importado, um dos processos mais poluidores que há. Além de anunciar o uso da tecnologia mais limpa que existe, a Vale argumenta em defesa do seu projeto que não há alternativa no prazo que lhe interessa para permitir a ampliação da capacidade de produção da Albrás, a 8ª maior fábrica de alumínio do mundo, instalada em Barcarena. A Albrás estagnou, por causa de sua intensa demanda de energia não suprida, enquanto a vizinha Alunorte, que produz alumina, o insumo para o metal, cresceu tanto que se tornou a maior do mundo, por exigir muito menos energia.

De fato, não há nenhuma outra possibilidade de curto prazo para adicionar a quantidade de energia exigida por uma fundição de alumínio como a da Albrás. Por isso mesmo, o governo federal tomou providências para colocar o projeto da hidrelétrica de Belo Monte na prancheta de execução. Numa ofensiva orquestrada, o Conselho Nacional de Política Energética decretou que haverá um único aproveitamento na bacia do Xingu, o de Belo Monte. O governo renunciou a construir mais três barragens que estavam incluídas no programa de obras da Eletronorte para não causar maior impacto ecológico nem efeitos nocivos aos índios e ao restante da população da área. Com tal compromisso, o complicado e acidentado licenciamento ambiental poderá finalmente sair.

Em sã consciência, ninguém poderia se opor a uma obra que produzirá um terço de energia a mais do que Tucuruí, a quarta do mundo, inundando uma área sete vezes menor, o que proporcionaria o menor custo por kW instalado do mercado. A facilidade com que os dados são manipulados, conforme as diferentes configurações dos projetos apresentados pela Eletronorte, porém, não cria nenhuma segurança entre os que analisam a partir de fora o plano energético para o Xingu. O próprio diretor-geral da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), Jerson Kelman, foi claro: a decisão do governo de se limitar a uma hidrelétrica no Xingu foi política e não técnica. Do ponto de vista técnico, ele não tem dúvida de que seria viável implantar os outros três aproveitamentos, que resultariam em mais 3,5 mil megawatts adicionados aos 11,8 mil MW de Belo Monte. Se, no futuro, com outro governo, a vontade política mudar, o curso do planejamento inicial poderá ser retomado. Nada há que o impeça.

Continua a predominar entre os técnicos independentes a convicção de que, sozinha, a usina de Belo Monte não tem viabilidade econômica, independentemente da avaliação dos seus impactos socioambientais. O compromisso com uma única barragem seria apenas uma manobra tática para criar o fato consumado do primeiro aproveitamento e assim possibilitar os demais, que acumularão água a montante do rio para usá-la nos períodos de estiagem (quando a vazão pode cair até 30 vezes), incrementando a potência de geração.

Há, contudo, uma saída, há muitos anos defendida por este jornal: modificar a concepção sobre o desenvolvimento na Amazônia. O planejamento seria feito a partir das bacias hidrográficas, que são a mais sólida referência física na região. Antes de definir qualquer uso para o Xingu, por exemplo, o governo federal teria que remeter ao congresso um projeto de lei sobre o plano de desenvolvimento para o vale por longo período (15 ou 20 anos), no qual um dos itens seria o uso energético.

Se for sincera e convicta a decisão de só erguer uma única barragem no Xingu, a lei sobre o desenvolvimento do vale estabelecerá esse compromisso, conferindo-lhe valor legal. O descumprimento caracterizaria a prática de um delito, punível na forma da legislação penal e cível. A palavra do agente do governo deixaria de ser apenas palavra, que o vento das conveniências leva.

Talvez a partir daí seja possível um debate sério e maduro sobre a possibilidade e a conveniência de o país prosseguir no uso dos rios para fins energéticos. É claro que há certa pressa na tomada de decisões, em função das grandes transformações que ocorrem neste momento em todo mundo. Essas mudanças atingem a Amazônia, mas não podem se refletir na região apenas como eco. A Amazônia precisa ter voz própria, algum poder de iniciativa, de criação. O efeito reverso dos tremores, que têm seu epicentro fora da região, não pode ser sempre de acordo com os interesses dos que criam esses efeitos e estão armados das melhores informações.

O esgotamento das fontes de energia na Amazônia para incrementos significativos da produção é um fato, em boa parte resultante da imprevidência dos que monopolizam o poder decisório. Esse fato pode ser atenuado e, em alguns casos, resolvido por outras fontes de energia, inclusive as não propriamente alternativas, como o gás, cujas pesquisas no litoral amazônico são mantidas num banho-maria inexplicado (e inaceitável). Quando a demanda é urgente, essas respostas deixam de ser satisfatórias porque as pesquisas, mesmo que venham a ter o apoio merecido, que hoje não têm, não darão resultados imediatos. Mas a equação da solução não pode ser montada apenas pelos agentes produtivos.

É realmente do interesse do Pará que a Albrás produza mais lingote de alumínio, produto de baixo valor agregado, à custa de muita energia, com tarifa favorecida, e sem gerar o principal imposto, o ICMS, porque a exportação de semi-elaborados não é taxada? Na ponta do lápis, não. Pode o governo fornecer a energia no volume requerido e por preço atrativo se a Vale do Rio Doce instalar unidades de transformação do metal básico, que criarão melhores empregos, irão gerar mais renda e pagarão imposto? Por que não colocar essa exigência na mesa de negociação?

A Vale não está sozinha nem é a dona do mercado (veja adiante matéria sobre a Alcoa). Apesar de toda a sua propaganda e relações públicas, a Vale ainda não conseguiu criar uma imagem de companhia sustentável porque seu discurso está sempre colidindo com os fatos. Apesar do enorme dinheiro que gastou para lançar a sua nova marca, a novidade não se estendeu ao conceito de responsabilidade social de tal maneira a convencer os auditórios mais exigentes no mercado mundial, justamente o seu alvo. Esse desempenho resulta da dificuldade que a empresa tem para praticar jogos que não sejam aqueles nos quais põe sua marca, os quais quer sempre ganhar.

Diga-se também que esse jogo é viciado porque do outro lado não há contendores sérios e conseqüentes. No momento em que essa onda de novos "grandes projetos" vem bater no território paraense, empurrada pelo mercado mundial, constatar que a interlocução não é séria dá uma sensação de desalento que nenhum marketing é capaz de retocar. Mesmo porque a maquilagem dura pouco, como estamos vendo. Se outros grandes projetos do passado mão desenvolveram de fato o Pará, estes novos projetos mudarão essa história?

* Jornalista

(Site Adital - 28/07/08)

terça-feira, 29 de julho de 2008

Governo do Estado cria grupo de trabalho para Belo Monte

Da Redação
Agência Pará

O governo do Estado criará um Grupo de Trabalho (GT) para discutir ações do plano de desenvolvimento regional sustentável que serão garantidas no Projeto de Aproveitamento da Hidrelétrica de Belo Monte, como instrumentos de mitigação dos impactos sociais e ambientais da usina. O decreto lei constituindo o GT será assinado pela governadora Ana Júlia Carepa. A informação foi dada nesta segunda-feira (28), no auditório do Centro Integrado de Governo (CIG), em reunião com a diretoria da Eletronorte (Centrais Elétricas do Norte), quando foram apresentados o Sistema Elétrico Brasileiro, o Projeto de Belo Monte, os benefícios esperados e a questão sociambiental envolvida no empreendimento.

“Esperamos que juntos possamos identificar o que ainda existe de entraves para juntos superá-los, pois juntos temos muito mais condições de fazê-lo. Defendemos este projeto, não vejo problemas em fornecermos energia a todo o país, mas o que não vamos aceitar é que a energia passe por cima de nossas cabeças sem que sejam atendidas, primeiro, as nossas necessidades”, afirmou a governadora. O secretário de Estado de Desenvolvimento, Ciência e Tecnologia, Maurílio Monteiro, disse que a reunião marca um momento importante de uma nova relação institucional com a diretoria da Eletronorte.

O secretário de Estado de Integração Regional, André Farias, apresentou o Plano de Desenvolvimento Regional Sustentável (PDRS) da região de integração Xingu, a ser concluído até dezembro deste ano. A Eletronorte já assinou convênio com o governo do Estado visando a elaboração desse PDRS e dos planos das regiões de integração Lago Tucuruí e Baixo Tocantins. “Os planos prevêem participação social, integração das ações públicas e promoção de atividades sustentáveis, trazendo a participação da sociedade civil. Assim, consideramos as especificidades das regiões. O PDRS não se resume à obra da usina, mas deverá observá-la”, afirmou.

O diretor-presidente da Eletronorte, Jorge Palmeira, destacou que a avaliação do governo do Estado sobre Belo Monte e outros projetos energéticos estão de acordo com o projeto da empresa. Ele entregou à governadora a minuta do decreto lei que será sugerido ao presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, que prevê investimentos da empresa vencedora do edital de licitação em ações sociais, antes que a usina entre em operação. A medida visa fazer frente às demandas do processo migratório esperado para região.

Ele comentou que o potencial hidráulico brasileiro é de 260 GW, sendo que estão em operação somente 76 GW. Do total do potencial, 113 GW estão na região amazônica (ou 43%) e apenas 7 GW desses (ou 7%) estão em operação. “Das fontes principais de energia elétrica, no Brasil, quase 80% é hídrica. E da capacidade hidrelétrica inexplorada a maior parte encontra-se na bacia amazônica”, exemplificou. Este cenário difere de países como Inglaterra, Alemanha e Estados Unidos, em que a fonte principal é a fóssil.

Segundo Palmeira, os objetivos do novo modelo do Sistema Elétrico Brasileiro, em curso, é a segurança no suprimento, modicidade tarifária (compra de energia por leilões visando menor tarifa) e inserção social. No caso de Belo Monte, os estudos da bacia do rio Xingu iniciaram em 1975; o relatório final de viabilidade teve como alternativa uma área inundada de 1.225 Km2, reduzido em 1994 para 440 Km2. “Das cinco quedas de curso principal do rio, previstas anteriormente, faremos apenas a de Belo Monte, justamente para não afetar comunidades indígenas. A capacidade instalada será de 11.181 MW e serão agregados ao sistema interligado brasileiro 4.796 MW médios (energia firme)”, adiantou.

Palmeira informou ainda que o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) publicou resolução na semana passada que garante o não aproveitamento da cadeia do rio Xingu, mantendo apenas o aproveitamento de Belo Monte.

Texto: Fabíola Batista - Secom
(Agência Pará - 28/07/08)

segunda-feira, 28 de julho de 2008

“A Eletrobras favoreceu empreiteiras”

O procurador regional da República Felício Pontes Júnior tem sido implacável em sua luta contra a construção da barragem de Belo Monte, no rio Xingu, sem que sejam cumpridas todas as exigências constitucionais. Conforme denunciado ontem aqui em O Liberal, ele ingressou com uma Ação Civil Pública na Justiça Federal questionando a contratação sem licitação das empreiteiras Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez e Norberto Odebrecht para a execução do EIA-Rima (Estudo de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto de Meio Ambiente) da usina, que será a maior do país, com capacidade para gerar 11 mil megawatts de energia depois da conclusão. Para o procurador, a contratação, pela Eletrobras, das empreiteiras sem licitação e por um valor irrisório para estudos de impacto num empreendimento desse porte (R$ 33 mil), é um forte indício de que elas poderão ser beneficiadas na licitação para a construção da hidrelétrica: 'Colocaram a raposa no galinheiro', comparou.


O senhor está convicto de que empreiteiras como Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez e Norberto Odebrecht deveriam participar de licitação para fazer o EIA-Rima da usina de Belo Monte?
Qualquer empresa que queira participar de Estudos de Impacto Ambiental precisa participar de licitação. O Estado não pode escolher aleatoriamente quem vai contratar para os serviços. Isso é ilegal, atenta contra os princípios democráticos e contra a os princípios constitucionais que norteiam a administração pública.
O senhor acredita que por elaborarem o EIA-Rima as empreiteiras passam a ser favoritas para ganhar a licitação para a construção da barragem?
Isso é evidente. As empreiteiras terão acesso privilegiado a informações bem antes de seus possíveis concorrentes em um eventual leilão. Em nosso entendimento, a própria Eletrobras admitiu o favorecimento a essas empresas quando incluiu no convênio com elas uma absurda cláusula de sigilo. O EIA-Rima é um processo necessariamente público, só é legítimo se for público, mas, mesmo assim, havia uma cláusula que dava às empresas o direito de não divulgar as informações que fossem colhidas no decorrer dos Estudos. Agora, essa cláusula, supostamen te, foi revogada. Mas, para nós, ela é uma prova a mais - assim como a ausência de licitação - de que o governo federal está acintosamente favorecendo o interesse de algumas empreiteiras e tentando fazer um licenciamento meramente burocrático. As sucessivas e recentes declarações do Ministro das Minas e Energia, Edson Lobão, de que Belo Monte será construída a partir de 2009, demonstram o descaso do governo com a legislação ambiental, são um desrespeito ao que deveria ser o processo de licenciamento e ao próprio judiciário brasileiro. É impossível prever o início de uma obra desse porte quando os estudos ainda não foram feitos.
O caso da usina de Santo Antonio, no Rio Madeira, onde a Mendes Junior fez o EIA-Rima e ganhou a licitação não abre um precedente perigoso?
Perigosíssimo. Não podemos deixar de apontar a flagrante falta de lógica que existe em se colocar empreiteiras para fazer Estudos de Impacto Ambiental. Estamos falando de obras de bilhões de reais. Estamos falando de possibilidade concreta de grande enriquecimento para empreiteiras. Como podemos considerar que essas empresas têm isenção suficiente para conduzir os Estudos de Impacto Ambiental? O EIA-Rima serve para orientar uma decisão técnica: se o empreendimento tem ou não viabilidade. Como alguém que está interessado em construir a obra - afinal é disso que empreiteiras entendem - pode atestar sua viabilidade? É como colocar o galinheiro sob responsabilidade da raposa.
Existe um jogo de cartas marcadas nessas licitações?
Não podemos afirmar isso sem provas. Mas todos os caminhos tomados pelo governo federal no projeto de Belo Monte demonstram a existência de relações promíscuas, contaminadas, entre a Eletrobras e as empreiteiras.
Não há justificativas para se construir Belo Monte?
Apesar de ainda não terem sido concluídos os Estudos de Impacto Ambiental oficiais, podemos dizer que, nesses 20 anos, Belo Monte talvez seja o projeto hidrelétrico mais estudado da história do Brasil. Existem inúmeras teses de doutorado, dissertações de mestrado, artigos, estudos científicos sobre a hidrelétrica. E todos apontam para sua total inviabilidade. Inviabilidade econômica, sobretudo. A própria Eletrobras admite que a usina só vai funcionar de 3 a 5 meses por ano, por causa do regime de vazão do rio Xingu. Não há justificativa para gastar mais de R$ 7 bilhões em uma obra, expulsar 16 mil ribeirinhos, alagar parte de Altamira, fazer secar o rio em alguns trechos, e ao final termos uma hidrelétrica que não vai passar nem seis meses fornecendo energia.
Caiapós estão no meio do caminho da usina, mesmo sem ser atingidos
Apontados como um dos povos mais belicosos da Amazônia, os índios caiapós são a pedra no caminho da barragem de Belo Monte, no rio Xingu, sudoeste do Pará. Desde fevereiro de 1989, quando foram as grandes estrelas do I Encontro dos Povos Indígenas do Xingu – a índia Tuíra ganhou destaque internacional ao esfregar um facão na cara do engenheiro José Antônio Muniz Lopes, então diretor de Operações da Eletronorte – os caiapós têm exibido suas bordunas e terçados contra os planos da Eletrobras de construir a maior usina hidrelétrica da Amazônia no rio Xingu.
Foi graças à ação dos caiapós que o Banco Mundial (BIRD) retirou qualquer apoio financeiro a novas usinas na Amazônia. O projeto da Eletronorte (Centrais Elétricas do Norte do Brasil), denominado inicialmente de Cararaô, mudou de nome, para Belo Monte. Detalhe: o reservatório da usina hidrelétrica de Belo Monte não inundará um hectare sequer da gigantesca reserva indígena caiapó, demarcada e homologada com 3,2 milhões de hectares, ocupando basicamente parte do território dos municípios de São Félix do Xingu, Tucumã e Redenção, a léguas de distância de Vitória do Xingu, município para onde está projetada a construção da barragem.
Os índios caiapós que agrediram e cortaram no braço, com golpe de terçado, o engenheiro Paulo Fernando Rezende, da Eletrobras, no encontro Xingu Vivo para Sempre, em Altamira, sudoeste do Pará, foram na verdade 'importados' do município de Redenção para o evento. Como desculpa para a agressão ao engenheiro da Eletrobras, os caiapós se disseram revoltados com o projeto de construção da hidrelétrica de Belo Monte, empreendimento que ficará a mais de 600 quilômetros de Redenção.
O rio Xingu, para onde está prevista a barragem de Belo Monte, sequer banha a reserva indígena de onde saíram a índia Tuíra e os outros agressores. Os índios caiapós, que eram os mais revoltados com a possibilidade de se construir a usina de Belo Monte, terão apenas uma parte de sua reserva cortada pelo rio Bacajá, um afluente do Xingu que, segundo os estudos apresentados pela Eletronorte, não será afetada pelo projeto.
O engenheiro Paulo Fernando Rezende tentou explicar esse ponto durante o encontro de Altamira, garantindo que as terras indígenas não sofrerão os impactos do projeto hidrelétrico, mas os índios não aceitaram as explicações. A única aldeia afetada pelo projeto será a Paquiçamba, cujos índios não estão entre os agressores do engenheiro e que não demonstram a mesma violência dos caiapós.
A fama de violência dos caiapós vem de longe. Na década de 70, o massacre da Fazenda Espadilha, no Pará, onde 20 colonos que haviam invadido a área dos índios foram mortos, ganhou destaque na mídia. Os caiapós também mantêm uma rígida vigilância em sua reserva, embora alguns caciques permitam a exploração garimpeira e outros vendam mogno para madeireiras ilegais.
(O Liberal – 28/08/08)

Belo Monte sob suspeita

Ronaldo Brasiliense

Há fortes evidências de que está em curso um jogo de cartas marcadas para que a licitação para a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu, sudoeste do Pará, seja ganha pelas construtoras Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa e Norberto Odebrecht, todas incluídas entre as maiores do Brasil.
Estas empreiteiras ganharam da Eletrobras (Centrais Elétricas do Brasil), em convênio denunciado pelo Ministério Público Federal, a missão de elaborar o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e o Relatório de Impacto de Meio Ambiente (Rima) da usina de Belo Monte, a maior da Amazônia, num investimento que pode chegar a US$ 10 bilhões, incluindo as linhas de transmissão de energia.
O preço pago pela Eletrobras para que Camargo Correa, Norberto Odebrecht e Andrade Gutierrez façam o EIA-Rima é simplesmente risível: R$ 35 mil. Especialistas do setor elétrico calculam que um EIA-Rima como o de Belo Monte consuma no mínimo R$ 100 milhões.
Essa conta é que não bate para o procurador regional da República Felício Pontes Júnior, do Pará, que ingressou com Ação Civil Pública na Justiça Federal questionando, por ilegal, a contratação das empreiteiras, sem licitação, para executar o EIA-Rima da usina de Belo Monte, que quando estiver concluída vai gerar, a plena carga, 11 mil megawatts, tornando-se a maior do país, genuinamente brasileira (Itaipu, no sul do País, é binacional).
Pontes Júnior desconfia que possa haver um jogo de cartas marcadas para que Camargo, Gutierrez e Odebrecht concluam o EIA-Rima e ganhem a licitação para a construção da hidrelétrica, um dos maiores investimentos do governo federal na Amazônia em todos os tempos.
Já existe um precedente: a construtora Mendes Júnior e Furnas foram responsáveis pela elaboração do EIA-Rima da usina hidrelétrica de Santo Antônio, no rio Madeira, em Rondônia, e posteriormente venceram a licitação para a construção da obra.
Belo Monte é obra prioritária do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, está incluída no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e é, também, a menina dos olhos da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, e do presidente da Eletrobras, o engenheiro José Antônio Muniz Lopes, apadrinhado do senador José Sarney (PMDB-AP).
O juiz federal Antônio Carlos Almeida Campelo, da Vara Única de Altamira, no Pará, deu sentença concordando em parte com os questionamentos do procurador Pontes Júnior.
O Ministério Público Federal moveu Ação Civil Pública em desfavor de Centrais Elétricas Brasileiras (Eletrobras), Construções e Comércio Camargo Corrêa, Construtora Andrade Gutierrez e Construtora Norberto Odebrecht mediante petição protocolada na Seção Judiciária do Pará em 24 de maio de 2007.
O motivo da postulação seria suposta prática de atos tendentes a reduzir a concorrência quanto ao empreendimento denominado Usina Hidrelétrica de Belo Monte, pretendendo-se, ao final, que as empresas particulares arroladas no pólo passivo abstenham-se de interferir diretamente na produção de estudos relacionados à hidrelétrica.
EIA/RIMA exige licitação, sustenta MPF - O procurador da República Felício Pontes Júnior, na ação, denuncia suposta associação irregular de servidores públicos com empresas privadas, visando à realização de estudos para a eventual construção da usina de Belo Monte. O argumento é simples: as empresas associadas seriam potenciais interessadas na futura licitação do complexo hidrelétrico.
O objetivo específico da presente ação não seria o de 'prejudicar, em absoluto, o empreendimento AHE de Belo Monte', mas tão somente o de garantir a regular execução dos correspondentes estudos. 'Seria injustificável a preferência dada às empresas beneficiadas', diz o procurador. A causa não guardaria conexão com outra Ação Civil Pública, que trataria do termo de referência elaborado pelo Ibama.
Em resposta, a Eletrobras teria noticiado a celebração de um acordo de cooperação técnica (ECE-120/2005) juntamente com as empresas referidas na inicial. Segundo o MPF, o acordo pactuado teria fundamentação na Lei n.º 3.890-A e suporte em uma alegada exigüidade 'do prazo para ultimação do EIA e do RIMA' e em uma hipotética competência reconhecida das empresas requeridas, o que não seria suficiente para a dispensa de licitação quanto aos estudos de viabilidade. Os requeridos não estariam levando em consideração a possibilidade de o empreendimento vir a ser reputado tecnicamente inviável e o acordo conteria cláusulas de confidencialidade, o que seria incompatível com a publicidade exigida em empreendimentos hidrelétricos.
Em que pese, segundo o MPF, ter sido alegado pela Eletrobras que as empresas possuem notoriedade em seu ramo de atuação, algumas atividades teriam sido terceirizadas. A Eletrobras teria fundamentada a 'contratação' no art. 116, da Lei n.º 8.666/93, sem, contudo, realizar procedimento licitatório. A estatal teria afirmado que despendera apenas cerca de R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil reais) com gastos relacionados ao acordo celebrado.
A situação concreta representaria uma dispensa de licitação irregular.
Empresas poderiam afugentar competidores com riscos inexistentes - O acordo de cooperação técnica permitiria às empresas arroladas no pólo passivo apropriarem-se dos documentos gerados durante os estudos. O direito concedido à Eletrobras para que pudesse se associar a empresas privadas não representaria a desnecessidade de licitação. A situação emergencial teria sido produzida pelos próprios gestores da Eletrobras, não justificando a dispensa de licitação.
Os procedimentos administrativos estariam sendo conduzidos de forma açodada e teriam sido violados os Princípios da Impessoalidade e da Publicidade, em prol dos interesses privados das empresas envolvidas.
As assertivas de natureza técnica não poderiam justificar, segundo denuncia o procurador Pontes Júnior na Ação Civil, o tratamento sigiloso das informações, situação que somente poderia ser admitida em 'casos de segurança nacional, investigações policiais ou interesse superior da Administração a ser preservado', o que não corresponderia ao caso concreto. A negativa de publicidade implicaria em redução dos controles sociais.
Por receberem informações privilegiadas, as empresas estariam sendo tratadas de forma contrária à devida impessoalidade. A confecção dos EIA/Rima pelos próprios interessados poderia implicar na divulgação de dificuldades de execução inexistentes, objetivando-se afugentar outros competidores.
Não existiria fundamento legítimo para a intervenção das empresas, que poderiam fazer suas análises de viabilidade econômica e de interesse após a divulgação dos estudos (caso realizados pelo governo).
O acordo, que favoreceria as três empresas mencionadas, seria também ofensivo à ordem econômica. E as justificativas como 'razões de Estado' ou 'a relevância nacional' não seriam suficientes para 'permitir que três empresas sejam contratadas às escondidas, com cláusula de confidencialidade, colocando-se em posição informacional muito mais favorável que qualquer outro agente econômico', conforme denúncia do Ministério Público.
A doutrina estaria a corroborar o raciocínio esboçado na peça de ingresso e a previsão pactuada no sentido de não existir, no momento da licitação da obra, necessidade de atuação consorciada por parte das empresas requeridas. Caso as empresas não venham a participar da futura licitação, tal fato decorrerá, segundo o MPF, do conhecimento de informações não disponíveis às demais empresas do ramo.
Não seria necessária a consumação de um dano para que se concluir pela existência de infração à ordem econômica, devendo, no sentir do Parquet, ser aplicadas às empresas as sanções previstas na Lei n.º 8.884/94, restringindo-se aplicação da pena à obra objeto dos autos.(R. B.)
Eletrobras acusa Ministério Público Federal de querer 'sepultar' usina - Em resposta, a Eletrobras sintetiza: 'A pretensão do MPF seria a de 'uma vez mais, obstar, liminar e, se possível, definitivamente, a continuação dos estudos de impacto ambiental do empreendimento AHE Belo Monte', situação que já teria sido verificada em 2001, 2006 e 2007. O Ministério Público estaria determinado a 'ver definitivamente sepultado' um empreendimento que a Eletrobras entende ser relevante, em suposto detrimento do desenvolvimento social e econômico sustentável do país. A finalidade do MPF seria impedir o licenciamento ambiental da obra e que 'não deveriam prevalecer, quanto à espécie, posições ideológicas radicais e isoladas, contrárias aos estudos de impacto ambiental e ao empreendimento ...em detrimento da população, e do desenvolvimento sustentável do nosso país'.
DECISÃO - 'A Administração Pública deve pautar sua conduta como a de 'mulher de César': além de ser honesta, deve parecer honesta. A Administração Pública, ao contrário do administrador privado, não pode eleger contratantes ou parceiros comerciais ao seu alvedrio, por sua livre escolha. Deve dar ampla publicidade de seus atos e permitir que, dentre critérios estabelecidos em edital, qualquer empresa interessada participe do procedimento. São princípios comezinhos do Direito Administrativo', diz o juiz Almeida Campelo em sua sentença.
E acrescenta: 'É mais que patente que há um gigantesco benefício patrimonial concedido em favor das construtoras, o que, de per si, já se demonstra suficiente para que a Administração Pública tome as necessárias medidas tendentes a garantir a isonomia no acesso às vantagens auferidas pelos interessados em se associar à Eletrobras. Neste momento, não se nega que, caso seja, ao fim, decidido, após amplo debate, que o empreendimento hidrelétrico seja eventualmente viável, haverá necessidade da exigência de critérios técnicos para os empreendedores da obra. Porém, em se tratando de mero complemento de estudos anteriores, conforme menciona a própria Eletrobras, a quantidade de empresas interessadas e capacitadas pode ser muito superior às então conveniadas', afirma Almeida Campelo.
O juiz diz ainda que 'impende destacar que muitas das atividades que compõem o teor dos estudos em andamento não são a especialidade das empreiteiras, que apenas detêm conhecimento específico na área de engenharia - conhecimento este que nem é de exclusividade das mesmas - não possuindo maiores qualificações, por exemplo, no estudo das populações indígenas, conforme mencionado pelo MPF na exordial e confirmado pela leitura de Ações Civis Públicas conexas, nas quais se constata que houve inclusive terceirização de atividades de pesquisa.'
O juiz Almeida Campelo deferiu os pedidos liminares requeridos pelo Ministério Público suspendendo os efeitos do 'Acordo de Cooperação Técnica' ECE- 120/2005, firmado entre a Eletrobrás e as demais empresas demandadas, bem como todo e qualquer ato produzido por força do aludido instrumento até o julgamento final da presente demanda. Mas a briga judicial por Belo Monte, maior hidrelétrica da Amazônia, 'menina dos olhos' das grandes empreiteiras nacionais, está apenas começando. (R.B.)
Eletrobras defende lisura de Belo Monte - O presidente da Eletrobrás, José Antônio Muniz Lopes, e o responsável pelo projeto de Belo Monte, Paulo Fernando Rezende, defendem a lisura no convênio firmado com as empreiteiras Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez e Norberto Odebrecht para a confecção do Estudo de Impacto Ambiental da usina hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu, sudoeste do Pará.
Segundo Rezende, o Decreto Legislativo 788/2005 delegou à Eletrobrás a responsabilidade por desenvolver o estudo de viabilidade técnica, econômica e socioambiental do usina de Belo Monte e o Acordo de Cooperação Técnica para desenvolvimento do referido estudo entre Eletrobrás, Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez e Norberto Odebrecht não garante nenhuma participação das empreiteiras no futuro leilão da licitação entre as partes.
A resolução 395/98, da Aneel, em seu artigo 14, determina que, ocorrendo o envio de outros estudos de viabilidade ou projetos básicos para o mesmo aproveitamento hidrelétrico, em condições de ser aprovados, todos serão colocados à disposição dos interessados para o processo de licitação. Somente o estudo de viabilidade ou projeto básico escolhido pelo vencedor da licitação fará jus ao ressarcimento, de acordo com o respectivo edital. Ou seja, qualquer agente poderá executar o estudo de viabilidade.
'O vencedor do leilão de licitação é que escolherá o estudo que lhe convier e este - e apenas este - será ressarcido na forma da lei. É interessante observar que os estudos para o AHE Jirau, cuja licitação ocorreu recentemente, os executantes do estudo de viabilidade foram as empresas Furnas e Odebrecht. Elas, porém, não venceram o leilão', lembra Paulo Fernando Rezende. Outro ponto importante, segundo Rezende: a Eletrobrás, a fim de dar a necessária publicidade e transparência ao processo, disponibiliza e atualiza em seu site todas as informações relativas a Belo Monte tais como inventário, resultados dos estudos de viabilidade anteriores, além de informações diversas (vide www.eletrobras.com.br).
Para o presidente Muniz Lopes, o Sistema Interligado Brasileiro tem uma grande vantagem que é a possibilidade de transferências de energia através das linhas de transmissão entre as diversas regiões do País. Este sistema interligado abrange 98% do consumo nacional de energia elétrica.
A usina de Belo Monte será integrada ao Sistema Interligado Brasileiro o que permitirá que na época de cheia do rio Xingu, onde a vazão máxima pode chegar a 30.000 m3/s, a produção de energia de Belo Monte seja total da sua capacidade instalada (11.181,3 MW), permitindo que os reservatórios do Sudeste/Centro-Oeste e Nordeste economizem água. Assim, no período de seca do rio Xingu, quando Belo Monte estiver produzindo menor quantidade de energia, as usinas dessas regiões enviarão energia elétrica para a região do Xingu.
ÍNDIOS - Segundo Paulo Rezende, em dezembro de 2007 foram realizadas as primeiras visitas às terras indígenas Paquiçamba, Arara da Volta Grande e Juruna do km 17. Essas visitas foram planejadas em conjunto com a Funai e por ela supervisionadas. Na verdade, todo o estudo socioambiental referente aos índios é desenvolvido sobre a orientação e participação da Funai. A programação para as visitas iniciais das demais terras indígenas da região - Kararaô, Arawaté do Igarapé Ipixuna, Koatinemo, Cachoeira Seca, Arara, Apiterewa e Trincheira Bacajá – já está sendo elaborada pela Funai. É importante destacar que o projeto do AHE Belo Monte não inundará nenhuma terra indígena.
O consumo total de energia elétrica do país passará de 412,6 TWh, em 2007, para 706,4 TWh, em 2017, conforme estudos da EPE. Assim, considerando que o AHE Belo Monte em 2020, quando em plena operação, responderá pelo atendimento de 6,4% do consumo de energia elétrica previsto para aquele momento, pode-se concluir que o empreendimento é uma obra prioritária para atendimento ao mercado de energia elétrica. Veja, na edição de amanhã, entrevista com o procurador Felício Pontes Júnior. (R. B.)
(O Liberal - 27/08/08)